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Jornal O Povo,
29/08/2020
(caderno Vida & Arte)

“Escrevo para não sucumbir à loucura desse tempo tão raivoso”,

  avisa o escritor Dércio Braúna

    por Clara Menezes

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A trajetória de Dércio Braúna contesta o pensamento tão recorrente de que, para ser um escritor, é necessário ler desde cedo. Filho de agricultores de Limoeiro do Norte, no interior do Ceará, os livros não faziam parte do cotidiano. Foi apenas aos 18 anos que adquiriu sua primeira obra. A inserção na literatura quando já era adulto não o deteve de, duas décadas depois, tornar-se um dos 54 semifinalistas do “Oceanos - Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa” de 2020. A honraria é uma das mais importantes do segmento no País.

 

Sua produção “Esta solidão aberta que trago no punho”, lançada na XIII - Bienal Internacional do Livro Do Ceará em 2019, concorre ao lado de grandes nomes. Chico Buarque ("Essa gente"), Mia Couto ("O universo num grão de areia"), Maria Teresa Horta (“Quotidiano instável”) e Nélida Piñon (“Uma furtiva lágrima) também estão na competição. 

 

Para Dércio Braúna, o anúncio foi uma surpresa. Com a experiência de 16 livros publicados, a obra havia sido mais uma que havia mandado sem grandes expectativas. Mas ser um autor independente revela um fato que, para muitos, pode parecer esquecido: a qualidade literária dos textos. “Essa situação ajuda, primordialmente, a mostrar que a literatura independente é uma literatura de qualidade. Não é porque não é de grandes editoras que não tem mérito. Ajuda também a repensar a forma de produção das pessoas envolvidas no meio”, comenta o escritor.

 

Ele classifica o material selecionado como poético, mas não utiliza a poesia no sentido mais formal. “Tem um fio narrativo existencial. Nele, dois poetas - inspirados em Maria Gabriela Llansol e António Lobo Antunes - conversam por meio de cartas”, explica. Mas há, ainda, uma grande diferença deste título para outros que já escreveu. “Esse livro é praticamente todo escrito no feminino, no quesito sentimental. Não é exatamente o tipo de escrita que eu vinha fazendo”, afirma.

 

Com 12 livros individuais e quatro coletivos na carreira, o também mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC) mantém um estilo principalmente metafórico e subjetivo. Sempre entre a pesquisa acadêmica e a literatura, há quase uma década escreveu sua dissertação de Mestrado sobre Mia Couto, intitulada “Nyumba-Kaya: Mia Couto e a Delicada Escrevência da Nação Moçambicana”. Talvez por ordem do destino, encontra-se novamente com o autor que foi o norte de seus estudos. Agora, porém, os dois competem na mesma premiação.

 

Ainda adolescente, a vontade de escrever surgiu da necessidade de compartilhar a própria solidão. Mas, no começo, suas principais referências não eram autores renomados. Eram, na verdade, músicos, como Raul Seixas e Renato Russo. “Eu não tinha acesso a tantos livros. No começo, escrevia desabafos de um adolescente que não tinha com quem conversar. Essa minha relação com a literatura é muito solitária, porque são coisas que quero dizer, mas que, às vezes, não encontro um ouvido disposto a escutar”, expressa.

 

Durante vários anos, Dércio realiza um trabalho quase incessante. Neste momento, também está arriscando em outros caminhos de narrativa. O próximo livro “Auto da Incineração”, que ainda não tem data de lançamento, traz fotografias e documentação histórica para além do texto. “As imagens são parte do próprio livro, são parte absolutamente constituinte daquilo que eu gostaria que os leitores refletissem”, diz.

 

Mas a persistência de continuar produzindo, em um cenário instável para escritores independentes, surge de uma inerente teimosia. “Escrevo porque preciso, para não enlouquecer, para não sucumbir à loucura desse tempo tão raivoso. É por isso que sigo teimando”, comenta. Além disso, as obras permitem uma possibilidade incontestável: chegar ao outro. “O livro dá essa esperança de, quem sabe, em algum período, alguém possa vir a ler. Eu não desisto por causa da urgência de falar, de não me calar”, finaliza.

Revista Maracajá, nº 2
(março/2019)

Os símbolos da resistência poética de Dércio Braúna

por Lia Leite

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O poeta Dércio Braúna estreou a sua jornada literária em 2005, com o premiado O pensador do jardim dos ossos. Nele a sua veia de historiador deixa transbordar uma linguagem plena de materialidade social, em que os sujeitos principais são o “trabalhador”, o “inventor” e o “operário” como agentes da transformação do “caos” e da miséria social. O autor transpassa duas vozes principais: uma intimista, voltada para a subjetividade e o aspecto ontológico; e outra engajada, externalizando tanto o pesar de uma perspectiva distópica quanto um convite à mudança social. Assim, mesmo que ao primeiro lançar de olhos seja tentador cair na angústia e na disforia, a realidade é que nesse jardim de “cinzas”, a esperança é tão perene quanto a relva que ressurge em “novas e titânicas flores”.

 

A pedra, cuja simbologia fixa um signo permanente na poesia de Braúna, enleva a labuta do escritor que constrói sua obra martelando duramente o material bruto da linguagem até transformá-lo em beleza. A pedra novamente aparece em Selvagem língua do coração das coisas (2005), mas em outra esfera, a dos encarcerados que escrevem com pedras nas paredes do cativeiro, aludindo ao aprisionamento da alma e do próprio corpo que se vê oprimido pelas instâncias do poder, resistindo na busca por liberdade através da força da expressão artística e política.

 

O peso dos “destroços” do rumo desastroso a que a humanidade chegou, é confessado em Metal sem húmus (7Letras, 2008). Num relato sobre o “tumulto da existência pequena/ no meio do mundo imenso”, a solidão cósmica está por todos os lados e se mostra com mais notoriedade numa sequência de poemas metafísicos, que diante da desolação não se resignam e convocam à resistência: “Cantem./ Sob o sol feérico do mundo/ cantem”.

 

A poesia de Braúna envolve-se com a busca constante por alteridade, marcada pelo verbo “milagrar”, referindo-se não propriamente a uma ligação mística, mas ao movimento solidário da humanidade que realiza o que o desespero nomina impossível. Em seus versos, a integração também compreende a união entre os amantes, um porto de salvação “contra o aniquilamento da beleza”, presente em “A tarde” (Selvagem língua do coração das coisas) e “Sobre a tarde, a erva” (O pensador do jardim dos ossos). O momento crepuscular é evocado para os amantes como uma fronteira no tempo, uma ponte entre o dia e a noite, um atravessamento que aponta para a transcendência do sofrimento pela experiência erótica.

 

Já Aridez lavrada pela carne disto (Confraria dos Ventos, 2015) é revestido pelo diálogo com inúmeros autores, indicando o sujeito referenciado nas vozes dos intelectuais que conversam com Braúna numa série homônima de poemas e solilóquios, estabelecendo um grande discurso poético, dissolvendo o ícone do autor para reverenciar a palavra, e desfazer a ideia de que “não há força nos nomes que sustentam a ordem das coisas”. Elucidando as ordens, as instâncias do poder e as suas reverberações na poesia. Em Selvagem..., Braúna já tematizava a força dos nomes, metaforizando a palavra como cavalos selvagens, tal a impossibilidade de apreender esse universo indômito através da linguagem. Assim, em seu quinto livro de poemas, lançado em 2017, Como cavalos fatigados abrindo um mar, Braúna demonstra que a língua, apesar de exaurida pelo esgarçamento operado pela cultura, é forte e ainda muito resiste.

Seus poemas percorrem um trajeto que parte da simbologia inorgânica da pedra ao organismo vivo e impactante do cavalo bravio; vem do puro concreto a vai para a abstração da alta erudição de seus dois últimos títulos. Uma poesia existencialista, forte e combativa, erudita em suas trocas com grandes pensadores, sem derrocar em pedantismos que esvaziam o lirismo. A congregação de pensadores e símbolos libertários promovida por Dércio Braúna revigora a grande voz do mundo, e sua resistência em prol de uma vida mais poética.

 

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Download disponível em:

https://drive.google.com/file/d/10N6Un89a4CL2qiZeaqjMjzrCPwD05TAi/view

Diário do Nordeste,
30/09/2019
(caderno Verso)

Poetas cearenses participam de encontro em Portugal promovendo novos olhares sobre literatura

Bruno Paulino, Dércio Braúna, Mailson Furtado e Renato Pessoa romperão fronteiras do fazer artístico em evento na Universidade de Évora, nos dias 9 e 10 de outubro

por Diego Barbosa

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[...]

Por sua vez, Dércio Braúna, de Limoeiro do Norte – que, entre outras atividades, lançará individualmente o último livro de sua autoria, “Esta Solidão Aberta que Trago no Punho”, durante o evento – tece comentários sobre suas percepções a respeito do lugar para onde vai. Segundo ele, “o Alentejo português que conheço vem da literatura, especialmente a partir do ‘Levantado de Chão’, de José Saramago. Foi a partir dele que passei a buscar compreender melhor esse espaço, que em Saramago aparece historicamente marcado pela ‘santíssima trindade’: Estado, Igreja e Latifúndio”.

 

Nessa perspectiva, haveria marcas históricas na formação de ambos os espaços, que podem ser pensadas considerando proximidades e diferenças. “Penso que as literaturas hoje feitas em ambas as geografias, que delas partem mas a elas não se prendem, podem ser boas formas de construir olhares outros sobre esses espaços e suas ‘heranças’ escriturais”.

Jornal Rascunho, nº 148
(agosto/2012)

 

Painel do conto brasileiro

por Lourenço Cazarré

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Como um cão que sonha a noite só (7Letras), de Dércio Braúna

É difícil enquadrar a arte narrativa de Dércio Braúna nas grandes linhas do conto atual brasileiro. Digamos que as histórias que ele conta não são nem claramente intimistas nem voltadas para o real. Não contribuem, como apreciariam certos críticos, nem para a psicologia nem para a sociologia. O que se pode dizer com certeza é que Braúna tem uma dicção poética particularíssima, lusitana mesmo. Comprova-se que ele escreve como se fosse herdeiro direto de Lobo Antunes ou de Saramago lendo o conto Deus é nossa mulher-a-dias. A contracapa informa-nos que o autor é historiador e que trabalha “com pesquisas sobre os tempos pré-coloniais moçambicanos, a partir de obra de Mia Couto”. Talvez isso explique a redação de textos como Uma oração na era da mecânica.

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Diário do Nordeste,
26/06/2012
(Caderno 3)

Coisas milagradas

por Batista de Lima

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São as palavras que milagram as coisas. São as palavras que iluminam as coisas de dentro para fora. São transfigurações em que os poetas se empenham. Eles reviram as coisas, usando, como ferramenta, a palavra. Foi exatamente um desses artífices do verbo que compôs "Metal sem húmus". O nome dele é Dércio Braúna, a editora é a 7 Letras. Procurando na biografia do poeta algo que chamasse a atenção, lá estava que nasceu em Limoeiro do Norte, Ceará, em 1979. Nada mais simples se não fosse Limoeiro a cidade brasileira com mais poeta "per capita". Quem não é poeta em Limoeiro, de Limoeiro não é.

 

Aí está o limoeirense Dércio Braúna tratando com delicadeza a rudeza das coisas. Humanizar o lado desumano das coisas é sua função. Sua palavra vem grávida de ternura para apascentar a loucura dos elementos. Ele suaviza a ferocidade do homem, no confronto com seus abismos, em 95 páginas coléricas de signos perturbadores. Sua poesia é cortante, pois é possuidora de um gume que quanto mais corta, mais se afia. Por isso que, nessa lira de gumes, ele confessa: "faço versos como quem sangra vidas, / retalho carne como quem recita Pessoa, / amolo minha lâmina / como quem ensaia dizimentos". Seu fazer poético é uma irritada oficina onde as ideias se torturam e o silêncio adoece para salvar a palavra.

 

Por isso que há uma hora para olhar as nuvens e outra para sonhos capinar. É preciso ingressar nesses sonhos com destreza sem fúria, conseguir a inabalável verdade dos dias, através da colheita dos grãos tenros da espiga das horas. Afinal, esmurrar o nada na busca de respostas é uma forma de procurar perguntas. Daí que a leitura desses poemas de Dércio é um confronto com um balseiro de perguntas. Mas uma coisa é certa, ele demonstra que gosta do gosto do poema, como se as palavras salivassem signos, metáforas esfomeadas a sugarem o tutano da memória. De sua poesia escorre a seiva de um passado que não existiu, mas porque imaginado passou a ter existido.

 

Para a instauração desses inventos, Braúna escava no húmus da linguagem, vazios em que o leitor sucumbe numa leitura que trepida. São feixes de ocos lapidados como fogos que ditam aos pés as leis dos passos ensaiados. Por isso que para o poeta, o cão é cego e vive mastigando o faro, e a mulher vive varrendo a solidão pela porta da cozinha, enquanto o homem constrói casas com lições de moluscos em suas ostras. Dessa alvenaria surgem poemas tristes, vertebrados corações, prestes a explodirem o código. Dércio Braúna é perverso com as coisas, pratica atrocidades para delas extrair o que se esconde dos incautos. Cada coisa é um ser que ele secciona em vida para observar os últimos latejos do coração dando adeus.

 

Diferente dos outros poetas de Limoeiro, Dércio não é telúrico. O rio Jaguaribe, que banha a cidade, não aparece, as carnaubeiras, completando a paisagem, não falam. Entretanto, esse poeta universaliza sua arte de forma tal, que poderia ser localizado em qualquer parte do mundo, ou em parte alguma. Afinal, sua poesia transborda do olhar que mergulha nas entranhas da linguagem e de lá emerge impregnada de sentidos antes adormecidos. Há portanto uma memória encravada no código, que elaborado pelo homem, foi com o tempo acumulando sentidos e sofrendo o esquecimento dos usuários. Braúna trabalha revirando a diacronia que a língua possibilita fornecer. É aí onde ele remexe.

 

O importante é que suas entranhas estão na fala, por isso que o tempo, como algo de assombroso, risca no corpo uma língua desconexa. É a linguagem que tenta abrandar sua corrosão. Por isso que sua casa é de uma triste arquitetura. É uma casa que na sua velhice é um arcabouço de ossos, com seu olhar reprovativo a perguntar pelos talheres. Assim como a casa perscruta o som dos talheres, o poeta espera por aquele que um dia foi. Esse não-saber se a espera tem resposta vive cheio de sabenças. Quanto ao mundo, esse é quiçá, talvez oxalá. Aliás é um sacrário de dúvidas, Jardim de perguntas.

 

O poeta Dércio exorbita nas imagens. Por exemplo, tão escura é a noite que ele a retalha como a um queijo negro. Ele não fala nisso, mas o leitor deduz que ele está dizendo. Seu corpo é uma "caixa óssea irrigada de sangue". Sua carne é trêmula como a de alguém que tomou um "copo de cólera". Sua vingança é quebrar "o ossário da sintaxe" herdada e sair por aí espatifando signos envelhecidos. Por isso que para ocupar a manhã, como poeta, ele precisa fingir uma fragilidade, mesmo a contragosto da linguagem encrespada. Tudo é conseguido quando o silêncio por dentro de tudo é mexido nas suas raízes.

 

Para conseguir essas façanhas poéticas, o poeta usa de manhas e artimanhas linguísticas a revirar a linguagem. Esse exercício metalinguístico prende o leitor até à última letra do livro. É uma poesia onde não se identificam intertextualidades, ancestralidades, raízes territoriais nem dramas pessoais. A poesia de Dércio Braúna é única, produto de uma escavação no monturo da linguagem. Pedaços de palavras, de frases e até de textos são extraídos da língua sem preocupação com época determinada. O importante é o nó que ele consegue dar.

 

A que se atribui a universalidade conseguida por Dércio? Acredito que principalmente através de suas leituras. Depreende-se de seu texto que seu cabedal de leitura é imenso. Apesar da idade ainda jovem e de não constar a frequência em estudos formais de Teoria da Literatura, esse poeta esbanja conhecimento da linguagem poética. Começa sua vida literária por onde os outros terminam. Esse seu livro de poemas é até didático, para quem quer aprender poética.

Revista Papangu 
(abril/2009)

Metal sem húmus, de Dércio Braúna

por Clauder Arcanjo

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Diário do Nordeste,
23/04/2006

A língua, o coração... as coisas, o seu discurso

por Carlos Augusto Viana

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José Alcides Pinto
(correspondência)

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Ferreira Gullar
(correspondência)

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